Se o aditivo para reduzir emissões em motores diesel estiver fora de especificação, ele pode danificar seu carro. Chame o mecânico e a polícia
O processo de descarbonização do Brasil passará por diversas fases, introduzindo limites cada vez maiores para a emissão de gases poluentes. Os veículos leves de passeio não poderão emitir mais do que 50 mg/km de gases orgânicos não metanos e óxidos de nitrogênio (NMOG+NOx), enquanto os comerciais leves têm um teto de 140 mg/km. O limite será reduzido a cada dois anos, chegando a 30 mg/km em 2031, tanto para automóveis quanto para comerciais leves.
Alcançar esse patamar exigirá muito esforço das equipes de engenharia das fabricantes, recorrendo a tecnologias que ainda não são utilizadas em massa no Brasil. Os motores a diesel são os que precisarão de mais trabalho para reduzir as emissões, por utilizarem o combustível que mais gera NOx.
A solução encontrada a curto prazo é a adoção em massa do Agente Redutor Líquido Automotivo, mais popularmente conhecido como ARLA 32 ou AdBlue (nome comercial), já obrigatório em veículos pesados como caminhões e ônibus. O número 32 é uma referência aos 32,5% de ureia de alta pureza usada na composição do produto.
Trata-se de um líquido injetado no tubo de exaustão antes do gás entrar no Catalisador de Redução Seletiva (SCR, na sigla em inglês). Os gases quentes aquecem o ARLA, que é convertido em amônia (NH3) e dióxido de carbono (CO2). Por sua vez, a amônia passa por uma reação química com as moléculas de NOx, convertendo até 98% dos gases em nitrogênio e água.
Por ser introduzido no sistema de escape, o ARLA tem um tanque próprio e não é um aditivo para o motor, funcionando de forma totalmente separada – um erro ainda cometido por algumas pessoas por ser chamado de aditivo.

Os veículos que estão adotando o sistema já utilizam um tanque na medida certa para a quantidade de diesel do tanque de combustível. Normalmente, é necessário 1 litro de ARLA 32 para cada 20 litros de diesel.
Do ponto de vista do proprietário, o seu uso deveria ser bem simples, bastando ir a um posto de gasolina e abastecer o tanque do ARLA 32. No entanto, a realidade é outra por conta da enorme quantidade de lugares vendendo produtos adulterados, um problema que se agravou desde que a Petrobras encerrou a produção de ureia, em 2017.
“A ureia correta para a produção do ARLA 32 tem um limite de 5 mg/kg de aldeído e, além dos 32,5% de ureia, é feita com 67,5% de água desmineralizada. Basta passar desses limites para contaminar o tanque do ARLA e não só perder a eficácia na redução de poluentes como também causar danos ao veículo no longo prazo”, explica o químico Everton Minatti, chefe de Operações da Usiquímica.
A falsificação do ARLA é comum por causa das regras envolvendo a ureia. Sem a produção nacional, o composto químico passou a ser importado de países como Rússia e China, recebendo subsídios pelo seu uso na agropecuária. A ureia usada como fertilizante é importada em grande quantidade pelos produtores rurais, que revendem o que sobra.
Alguns criminosos aproveitam essa ureia agrícola (que sobrou e também que foi desviada de seu destino original, por meio de roubo de carga) para produzir um ARLA fora dos padrões (especificados por norma técnica da ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas), não só usando a ureia incorreta como adicionando água comum à mistura.

Esta combinação é perigosa. Além de não filtrar os gases corretamente, ainda faz com que impurezas se acumulem no catalisador. Essas impurezas podem causar a formação de depósitos no sistema SCR, os quais podem acarretar danos irreversíveis, com a necessidade da troca dos componentes. E, além disso, produtos clandestinos podem reduzir o desempenho do automóvel e aumentar o consumo. Se houver o entupimento do catalisador, a consequente redução do fluxo de gases, por si só, também compromete o funcionamento do motor. E se o sensor de gases do motor percebe quando a filtragem é deficiente envia uma ordem para a central eletrônica reduzir a potência como forma de compensar o aumento nas emissões.
Os veículos a diesel são equipados com dois sensores de NOx, um posicionado entre o filtro de partículas de diesel e o injetor do ARLA, e outro na saída do catalisador. Funciona da mesma forma que uma sonda lambda, medindo a concentração de oxigênio e óxido de nitrogênio, acusando se o filtro atingir um certo valor de saturação ou se os gases expelidos pelo escapamento estão acima do limite.
Quando o sensor acusa que a emissão de NOx está acima do limite, será enviado um sinal para o veículo com a ordem de reduzir a potência e o torque gerados, para assim diminuir a emissão de poluentes. A queda no rendimento pode ser de 25 a 40%, com alguns veículos chegando a casos mais extremos – a Ford declara no manual da Transit que a velocidade máxima é limitada a 80 km/h nessas situações.
Além disso, o uso de ARLA fora das especificações contamina tanto o catalisador quanto a bomba do ARLA, começando a acumular detritos da ureia ou dos minerais da água comum. Basta abastecer uma vez com um produto ruim para que contamine todo o sistema, exigindo um gasto alto para higienização completa da forma correta, com água desmineralizada.
“Mesmo se você trocar o ARLA no tanque pelo correto, o aditivo ficará contaminado pelos resíduos e levará muito tempo e centenas de abastecimentos para que a impureza seja levada embora sem uma higienização completa. E, neste tempo, o catalisador seguirá sofrendo danos”, explica Minatti.
Há uma movimentação da indústria e do governo para acabar com o ARLA 32 falsificado. A Associação Brasileira dos Produtores de ARLA 32 (Abrapa32) trabalhou com a ABNT para criar a norma ABNT NBR 17169, estabelecendo os parâmetros para um kit de teste prático, que será adotado pelo Ibama, Polícia Rodoviária Federal e Inmetro. É usada uma solução de ácido sulfúrico e cromotrópico, que, ao ser misturado com o ARLA, faz com que o líquido mude de cor e comece a aquecer. O resultado ideal é na cor púrpura, qualquer cor acima disso é prova de que o aditivo passou dos limites permitidos de aldeídos.
Minatti fez parte do grupo, representando a Usiquímica, e explica que a padronização era necessária, pois um teste poderia apontar um resultado diferente do outro e as equipes de campo que fazem a fiscalização não tinham como chegar a uma conclusão. “Para resolver esse problema, desenvolvemos uma solução que evapora do formaldeído da ureia, permitindo a detecção por meio de uma mudança de cor em uma tabela de referência.”
Com o trabalho do governo na fiscalização dos postos, operações contra produtores de ARLA 32 que usam ureia agrícola (o que é crime fiscal e ambiental) e o novo teste, a tendência é que a incidência de produtos fora dos quesitos técnicos diminua. Até lá,os brasileiros terão que tomar cuidado e evitar comprar o ARLA 32 vendido por lugares suspeitos.
Como funciona o Arla 32
Apesar de ser chamado de aditivo, o ARLA 32 é adicionado a um tanque separado. O líquido é injetado antes do catalisador, causando uma reação química que transforma o NOx em nitrogênio e vapor d’água.

Reportagem publicada originalmente por Quatro Rodas em 29/03/2025.
Fonte: https://quatrorodas.abril.com.br/noticias/arla32-falsificado-e-a-mais-nova-dor-de-cabeca-para-donos-de-carros-a-diesel/